27 de maio de 2011

Retrato de Mãe

 Depois de muito tempo,sobre os quadros sombrios do calvário,
Judas, cego no Além, errava, solitário...
Era triste a paisagem. O céu era nevoento..
Cansado de remorso e sofrimento, sentara-se a chorar...
Nisso, nobre mulher de planos superiores, Nimbada de celestes esplendores,
Que ele não conseguia divisar, chega e afaga a cabeça do infeliz. Em seguida, num tom de carinho profundo, quase que, em oração, ela lhe diz
 -Meu filho, por que choras??
 -Acaso, não sabeis? - replica o interpelado, claramente agressivo, - Sou um morto e estou vivo. Matei-me e novamente estou de pé, sem consolo, sem lar, sem amor e sem fé...Não ouviste falar em Judas, o traidor? Sou eu que aniquilei a vida do senhor... A principio, julguei poder fazê-lo rei, mas apenas lhe impus sacrifício, martírio,sangue e cruz, e  em flagelo e aflição eis que a minha vida agora se reduz... Afastai-vos de mim, deixai-me padecer neste inferno sem fim... Nada me pergunteis, retirai-vos senhora, nada sabeis da mágoa que me agita, nunca penetrareis minha dor infinita... O assunto que lastimo é unicamente meu...
No entanto, a dama calma respondeu:
-Meu filho, sei que sofres, sei que lutas, sei a dor que te causa o remorso que escutas, venho apenas falar-te Que Deus é sempre amor em toda parte...
E acrescentou serena:
- A Bondade do Céu jamais condena; Venho por mãe a ti, buscando um filho amado. Sofre com paciência a dor e a prova; Terás em breve, uma existência nova... Não te sintas sozinho ou desprezado.
Judas interrompeu-a e bradou rude e pasmo:
-Mãe ? Não me venhais aqui com mentira e sarcasmo. Depois de me enforcar num galho de figueira, para acordar na dor, sem mais poder fugir à vida verdadeira, fui procurar consolo e força de viver ao pé da pobre mãe que me forjara o ser !... Ela me viu chorando e escutou meus lamentos, mas teve medo de meus sofrimentos. Expulsou-me a esconjuros. Chamou-me monstro, por sinal, disse que eu era Unicamente o espírito do mal; Intimou-me a terrível retrocesso, mandando que apressasse o meu regresso
Para a zona infernal, de onde, por certo, eu vinha...Ah! detesto lembrar a horrível mãe que eu tinha...Não me faleis de mães, não me faleis de amor...Sou apenas um monstro sofredor..
-Inda assim- disse a dama docemente- Por mais que me recuses, não me altero; Amo-te, filho meu, amo-te e quero ver-te de novo, a vida Maravilhosamente revestida de paz e luz, de fé e elevação... Virás comigo `a Terra, perderás, pouco a pouco, o ânimo violento, terás o coração nas águas de bendito esquecimento. Numa  nova existência de esperança. Levar-te-ei comigo a remansoso abrigo, Dar-te-ei outra mãe! Pensa e descansa!..
E Judas, nesse instante,
Como quem olvidasse a própria dor gigante Ou como quem se desagarra de pesadelo atroz,
Perguntou ;- quem sois vós? Que me falais assim, sabendo-me traidor? Sois divina Mulher, irradiando amor ou anjo celestial de quem pressinto a luz?!...
No entanto, ela a fitá-lo, frente a frente,
Respondeu simplesmente:
- Meu filho, eu sou Maria, sou a mãe de Jesus.

Maria Dolores

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